Filosofia
Alain de Libera Filosofia Medieval
Contrariamente às teses que prevaleceram durante muito tempo, a teoria da analogia do ser não á uma teoria aristotélica (P. Aubenque); é uma criação da Idade Média. Por sua vez, a teoria dita "aristotélico-tomista" da analogia é uma criação da neo-escolástica e do neotomismo.
A formulação medieval da analogia do ser é um fenômeno tardio, que foi preparado por uma longa sequência de mediações e transferências. Seu ponto de partida é a teoria porfiriana da homonímia, transmitida por Boécio e as Decem Categoriae do pseudo-Agostinho. Sua construção efetiva, que levou vários séculos, desenrolou-se em duas grandes etapas: a utilização, sob o nome de análoga, de um novo tipo de termos (tirado de Avicena e de al-Ghazali), os convenientia ou ambígua, no papel de intermediário entre "sinônimos" e "homônimos" estritos, imperfeitamente desempenhado até então pelos "parônimos" de Aristóteles; a interpretação dessa relação de "conveniência" no sentido de uma "analogia de atribuição extrínseca", forjada a partir de elementos tirados da leitura averroísta do livro IV da Metafísica de Aristóteles. Uma vez conhecida a teoria averroísta do "não-ser do acidente", essa teoria foi a ocasião de um confronto particular entre partidários e adversários da crítica tomista da posição averroísta. No curso dessa discussão, típica do fim do século XIII e do início do XIV, operou-se uma volta indireta, através do comentário sobre as Categorias de Simplício, às formulações porfirianas originais, mas transpostas e retraduzidas nos termos da nova problemática. A teoria da analogia do ser é pois um produto da exegese filosófica medieval, fundado sobre uma série de manipulações do pensamento de Aristóteles, que seguiu o ritmo das traduções da obra aristotélica e de suas interpretações gregas e árabes.
Essa "criação" não teria talvez tido a importância que tomou na história da filosofia da Idade Média, se além da problemática da unidade do objeto de estudo da metafísica, suas próprias origens não lhe tivessem feito cruzar também com o problema do estatuto ontológico do acidente e o da predicação dos termos acidentais concretos.
Interpretada em termos de corpus, a teoria medieval da analogia se apresenta como a fusão de três textos de Aristóteles: a distinção entre sinônimos, homônimos e parônimos do primeiro capítulo das Categorias; a distinção problemática dos três tipos de homônimos intencionais introduzida na Ética a Nicômaco (I, 6, 1096b26-31): unidade de origem ou de proveniencia (ipsenos), unidade de fim ou de tendência (pros en), unidade de analogia (kit inilogiin) — na qual "analogia" tem o sentido aristotélico autêntico de proporção matemática a quatro termos (a: b: c: d); a teoria da unificação da multiplicidade dos sentidos do ser, exposta no livro IV da Metafísica, sobre a base da significação dos termos "são" e "médico", completada pela teoria do acidente como flexão da substância sugerida por certas passagens do livro VII da Metafísica (1, 1028a, 15-25).
A história da teoria da analogia no Ocidente medieval não começa, entretanto, nem com a difusão efetiva da Metafísica nem com a da Ética. O essencial da problemática tardiamente assumida sob o título de "analogia do ser" foi conhecido pelos estudiosos medievais bem antes que essas duas obras fossem traduzidas. Os primeiros mediadores do complexo formado pelos três textos-fontes foram o comentário de Boécio sobre as Categorias (In Categorias Arist., I, in PL 64, 166B2-C2) e a Paraphrasis Themistiana (§ 17-18). Entretanto, com eles, era a concepção porfiriana da homonímia, e mais amplamente a teoria das realidades homônimas, sinônimas e parônimas, como fundamento da reflexão sobre as "palavras primeiras", que penetrava entre os latinos. Nessa etapa, representada no período carolíngio pela Dialectica de Alcuíno, ainda não se tratava de uma teoria da analogia do ser, pois, simplesmente, não havia "problema do ser": a tríade ipsenos (ab uno), pros en (ad unum), kit inilogiin (secundam proportionem) estava posta a serviço de uma análise dos diferentes tipos de homonímia, ou seja, de um ensaio de classificação sistemática dos diferentes tipos de realidades, que, compartilhando um mesmo nome, têm, todavia, definições diferentes; paralelamente, a noção de "paronímia" (denominado) assumia sozinha, mais ou menos em ligação com a teoria do "fluxo" exposta pelos Opuscula sacra de Boécio, e no interior de um certo platonismo gramatical, o problema semântico e ontológico da relação entre o abstrato e o concreto.
A primeira fase decisiva na constituição do conceito medieval de analogia deve-se a Avicena (Metaphisica, I, 5; IV, 1) e a al-Ghazali (Lógica, 3), que, no âmbito da distinção porfiriana dos univoca (sinônimos), diversivoca (poliônimos), multivoca (heterônimos) e equivoca (homônimos), transposta para o nível (não-aristotélico) das palavras, substituem a noção aristotélica de "parônimos" (denominativa) por uma noção nova de convenientia ou ambígua. Essa teoria, mencionada pela primeira vez por Alberto Magno (De praedicabilibus, I, 5), comporta o essencial da futura teoria da analogia: o estatuto intermediário dos ambígua, a interpretação da analogia ad unum em termos de "conveniência", a aplicação dessa relação orientada e não-conversível, como já era a paronímia, na relação substância-acidente, doravante compreendida como relação de dependência secundum prius et posterius. A enigmática teoria da "univocidade de analogia", apresentada em certos escritos de Alberto Magno (De divinis nominibus, I, 1). é a simples retomada dessa convenientia in uno secundum ambiguitatem de Avicena.
A segunda fase "árabe" da teoria da analogia é proporcionada pelo Grande Comentário de Averróis sobre a Metafísica (IV, com. 2). O termo "ente" se diz de múltiplas maneiras: nem equívoco nem unívoco, "ele faz parte dos nomes predicados de realidades atribuídas a uma única e mesma coisa". Esse termo, que focaliza as predicações pode funcionar de três maneiras: seja como fim, seja como agente, seja como sujeito. A atribuição "como a um sujeito" substitui simultaneamente a noção aristotélica de predicação kit inilogiin e a noção clássica de denominado (paronímia). Doravante interpretada além mesmo da ambigüidade aviceniana, ela assinala uma dependência ontológica ainda mais radical dos acidentes em relação a seus sujeitos: os acidentes não são mais que "flexões" (casus) da substância, e não têm, por si mesmos, nem ser nem quididade.
É essa teoria da focalização ontológica que, sob o nome de analogia entis, é retomada por todos os estudiosos medievais, que, como Alberto Magno ou Tomás de Aquino, se servem da analogia para fundar a possibilidade da metafísica como ciência una do ser enquanto ser, ou para explicitar a relação de dependência ontológica da criatura e do ser criado com o Criador — sem todavia endossar a teoria do acidente que a completa.
É apenas no fim do século XIII e no século XIV que a solidariedade entre a teoria da significação focai da palavra "ser" e a teoria averroísta do "não-ser do acidente" é reconhecida como tal e recebe um desenvolvimento particular na escola dominicana alemã (Dietrich de Friburgo, De accidentibus, 10, 3; De quidditatibus entium, 10.. 6), com a teoria da "analogia do acidente", que, em Mestre Eckhart (In exodum, § 54), prefigura e justifica metafisicamente uma interpretação analógica do não-ser criatural e da criatura como simples "ser-signo" do Ser divino. A explicação da relação do acidente com a substância em termos de "analogia" é rejeitada pelos tomistas — Jean Picard de Lichtenberg (por volta de 1303-1313) e principalmente Nicolau de Estrasburgo (por volta de 1325) — sobre o fundamento de uma distinção entre analogia proportionis e analogia attributionis (pretensamente tirada do comentário sobre as Categorias de Simplício) combinada com as teorias de Gilles de Roma sobre o esse essentiae e o esse existentiae.
Na época da Contra Reforma, a teoria da analogia evoluiu para uma doutrina do "conceito analógico do ser" (Thomas de Vio Cajétan, 1469-1534), destinada a opor-se ao "conceito unívoco do ser", pregado pela escola scotista. A neo-escolástica do século XIX encerrará essa deriva peripatética do aristotelismo, fazendo da analogia "aristotélico-tomista" o fundamento englobante de qualquer metafísica possível.